terça-feira, 27 de abril de 2010

O que eu achava. O que aprendi. E que foi importante. 'Tudo-ao-mesmo-tempo-agora'

Quando eu era pequena eu achava que quando crescesse seria tudo diferente, que eu pensaria coisas diferentes, teria sentimentos diferentes, achava que o medo de coisas bobas ia embora, que não lembraria de um bando de coisas que me aconteceram quando era criança. Achava que perdoaria meu pai com o tempo, achava que seria mais segura e menos caótica, que a relação com a minha mãe melhoraria, que a calmaria um dia fosse tomar conta da minha ansiedade-gastrítica.
Acreditava que ia precisar de todas aquelas aulas infadonhas das matérias mais ínuteis, que as coisas que aprendi obrigada pela 'responsabilidade de ir a escola estudar todo dia' um dia iam significar alguma coisa para as dúvidas que já tinha e para as muitas que viriam ainda. Achava que estava sendo preparada, mesmo que naquele momento não fizesse sentido nenhum.
Como eu me enganei. E como sou feliz por ter me enganado para sobreviver aquelas obrigações. A coisa mais útil que me fizeram na escola, a coisa que realmente foi um divisor de águas pra mim, foi ser alfabetizada. Ler e escrever foram os combustíveis de todos esses anos - e tropeços sem sentido -, porque o meu trabalho não depende de nada que aprendi na escola, aprendi a fazer o que faço lendo sozinha, pesquisando com a minha estratégia no meu tempo, e foi a coisa mais prazerosa e intensa que estudei na vida. Porque o que eu 'estudo/ouço' na universidade não contribui em nada no meu trabalho, e não me faz querer mudar de profissão também. Porque nenhum professor que tive (e sim, eu tive bons professores) me ensinou a escrever para acalmar a alma, na escola ninguém me disse que a imaginação e o devaneio constante eram a única saída, porém o meu avô sim, quando pequena certa vez disse-me que o melhor de brincar sozinha -eu era filha única- era a liberdade de criar a brincadeira a meu modo. Sábio meu avô que era semi-analfabeto.
Porque crescer não me fez uma mulher mais forte e segura. Eu ainda tenho um bocados daqueles medos de criança e alguns outros que foi acumulando com o tempo. Ainda sinto o mesmo rancor pelo meu pai, a mesma estranheza pela minha mãe e quase nunca uso o que aprendi na escola. Porque o mais importante que acumulei na vida foram os livros que li, os autores que me encantaram, os lugares que conheci, os amigos que tive, as conversas esclarecedoras na madruga me ensinaram mais sobre sobrevivência do que anos de estudo do corpo humano.
Ter entrado no Grêmio estudantil na adolescência me ensinou mais sobre direitos e deveres, dignidade, projetos e participação política do que todas as aulas de educação e cidadania e trabalhinhos sobre a constituição que fiz na vida. Eu tive a oportunidade de entender o que era pobreza e desigualdade dando aula de artes numa escola comunitária de uma invasão (sem ter nenhum diploma ou preparo para isso), entendi as minhas obrigações eleitorais conhecendo a divisão do poder público por causa do grêmio e não por causa de nenhuma visita de urna eleitoral na minha escola.
Entende o que quero dizer? Que enquanto eu achava que estava sendo preparada para a vida, eu estava só me alienando, descobrindo coisas pela metade, conhecendo superficialmente coisas e pessoas, tendo uma visão genérica do mundo e suas relações culturais. O que foi muito importante para minha preparação para a vida adulta, e isso é muito particular, foi conhecer gente; conhecer onde vivem, os problemas e as dificuldades que enfrentam; foi ter vivido o preconceito, ter entendido o que era errado: errando; foi ouvir pessoas e seus devaneios, sentimentos, histórias, loucuras; foi ter doado tempo da minha vida para entender o humano. Para parar de acreditar no que aprendi na escola, que o ser humano é "um animal membro da espécie de primata bípede Homo sapiens" e só isso.

*opinião totalmente pessoal.

7 comentários:

  1. Que vômito!
    Vou usar esse texto ainda na sala de aula, juro!
    adorei!
    Tô maturando as ideias e escrevo o mais rápido possível

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  2. Ei Flavinha... você foi simplesmente incrível...

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  3. Olá!

    Eu gostei do que falou , mas você esqueceu de dizer que a escola não te ensinou a não ter certeza das suas próprias certezas...

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  4. É de praxe a escola trabalhar isso, como bem disse Paulo Freire...daí esse nosso desencanto pela escola atual...

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Sou suspeito pra falar do Euler, porque sou fã, sabendo e aceitando ele isso ou não. Mas depois de ler um texto como esse, com certeza aqui já virou parada obrigatória pra mim esporadicamente.

    Parabêns Flávia.

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  7. valeu gente... Isso é muito importante pra mim, manter o que penso e expor o que defendo de corpo e alma. Marcos Vinicius não aprendi mesmo a não ter certeza das minhas certezas na escola, esse é defeito meu de fábrica!

    e eu adoro mudar se for pra melhor, sou ser em construção 100%!

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